Artigo para os Pais

Geração do Ecrã


Alice Vieira , Escritora.
Desculpem se trago hoje à baila a história da professora agredida pela aluna, numa escola do
Porto, um caso de que já toda a gente falou, mas estive longe da civilização por uns dias e,
diante de tudo o que agora vi e ouvi (sim, também vi o vídeo), palavra que a única coisa que
acho verdadeiramente espantosa é o espanto das pessoas.
Só quem não tem entrado numa escola nestes últimos anos, só quem não contacta com gente
desta idade, só quem não anda nas ruas nem nos transportes públicos, só quem nunca viu os
"Morangos com açúcar", só quem tem andado completamente cego (e surdo) de todo é que
pode ter ficado surpreendido.
Se isto fosse o caso isolado de uma aluna que tivesse ultrapassado todos os limites e agredido
uma professora pelo mais fútil dos motivos - bem estaríamos nós! Haveria um culpado, haveria
um castigo, e o caso arrumava-se.
Mas casos destes existem pelas escolas do país inteiro. (Só mesmo a sr.ª ministra - que não
entra numa escola sem avisar - é que tem coragem de afirmar que não existe violência nas
escolas!)
Este caso só é mais importante do que outros porque apareceu em vídeo, e foi levado à
televisão, e agora sim, agora sabemos finalmente que a violência existe!
O pior é que isto não tem apenas a ver com uma aluna, ou com uma professora, ou com uma
escola, ou com um estrato social.
Isto tem a ver com qualquer coisa de muito mais profundo e muito mais assustador.
Isto tem a ver com a espécie de geração que estamos a criar.
Há anos que as nossas crianças não são educadas por pessoas. Há anos que as nossas
crianças são educadas por ecrãs.
E o vidro não cria empatia. A empatia só se cria se, diante dos nossos olhos, tivermos outros
olhos, se tivermos um rosto humano.
E por isso as nossas crianças crescem sem emoções, crescem frias por dentro, sem um olhar
para os outros que as rodeiam.
Durante anos, foram criadas na ilusão de que tudo lhes era permitido.
Durante anos, foram criadas na ilusão de que a vida era uma longa avenida de prazer, sem
regras, sem leis, e que nada, absolutamente nada, dava trabalho.
E durante anos os pais e os professores foram deixando que isto acontecesse.
A aluna que agrediu esta professora (e onde estavam as auxiliares-não-sei-de-quê, que dantes
se chamavam contínuas, que não deram por aquela barulheira e nem sequer se lembraram de
abrir a porta da sala para ver o que se passava?) é a mesma que empurra um velho no
autocarro, ou o insulta com palavrões de carroceiro (que me perdoem os carroceiros), ou
espeta um gelado na cara de uma (outra) professora, e muitas outras coisas igualmente
verdadeiras que se passam todos os dias.
A escola, hoje, serve para tudo menos para estudar.
A casa, hoje, serve para tudo menos para dar (as mínimas) noções de comportamento.
E eles vão continuando a viver, desumanizados, diante de um ecrã.
E nós deixamos.

In Jornal de Notícias , 30.3.2008

Alice Vieira escreve no JN, quinzenalmente, aos domingos.

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